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Ativismo Materno: um fator impulsionador da participação das mulheres na política

Por Daniele C D Avelar

Advogada, Mãe do Daniel, Ativista Materna

Mestranda em Direito no Programa “Novos Direitos, Novos Sujeitos” da Universidade Federal de Ouro Preto


Ensaio fotográfico realizado com Daniele e seu filho, Daniel, quando ele tinha 3 anos | Lui Pereira

Muitos são os desafios enfrentados pelas mulheres que estão inseridas no universo da política, e, ao falar de “política”, me refiro as mulheres que ocupam Mandatos Eletivos, mulheres que são militantes de partidos políticos, mulheres de movimentos sociais ou mulheres que se dedicam à inúmeras outras formas de ativismo.


Afinal de contas, acredito que o universo da política não se restringe apenas ao período eleitoral ou ao exercício de Cargo Eletivo ou Direções Partidárias. Para mim, a política vai muito além disso. Sou militante por convicção e faço política mesmo sem a “caneta na mão”.


Desde que me entendo por gente, sempre fui uma mulher que participa da política. Iniciei minha trajetória no Movimento Estudantil ainda adolescente. Fui também da União da Juventude Socialista, onde me formei politicamente. Passei metade da minha vida no PCdoB (onde fui Presidenta por alguns anos aqui em Mariana). Sempre me organizei no Movimento Feminista e desde 2016 participo do Partido dos Trabalhadores, onde assumi a Presidência por um breve período, renunciando ao Cargo pouco antes da última eleição, onde estive concorrendo como candidata a vereadora de nossa cidade. Pude sentir e percebo na pele como são grandes os obstáculos para que as mulheres ocupem espaços de poder e participem efetivamente da tomada de decisão.


Obviamente que foi gradualmente e com todas as experiências vividas que tomei consciência do meu lugar em meio a todo esse universo com mais exatidão. Consegui reconhecer a disputa de classe e saber de que lado estou. Consegui compreender qual o papel social imposto à mulher na sociedade. Consegui compreender que a maternidade é também um ato político e várias outras questões que foram elaboradas com meu amadurecimento pessoal e político.


Para continuar falando disso é importante contextualizar melhor toda essa temática e começo lembrando que foi à partir da segunda metade do século passado (agorinha mesmo), que verificou-se uma crescente luta e consequentemente maior visibilidade das mulheres na agenda política internacional, e isso já foi um importante fenômeno e considerável conquista.


No decorrer dos últimos anos, aqui no Brasil, ocorreu um aumento da presença feminina, tanto na política partidária, como em cargos de lideranças em movimentos sociais, e isso fez com que essas mulheres passassem a se posicionar de maneira diferente e se redefinirem também em outros espaços sociais (públicos e privados) contestando, inclusive, qual seu papel e reinvindicando seu “lugar de fala” e mudança de posicionamento da sociedade e das leis.


Entretanto, ainda hoje, quando tratamos da participação política, homens e mulheres não ocupam posições simétricas, e os conteúdos “politizados” por um e por outro também não são os mesmos e, por isso, ao longo da história as reivindicações das mulheres não foram e ainda não são consideradas ou priorizadas.


Uma outra barreira importante é que a dinâmica da atividade política, práticas e funcionamento de partidos, linguagens e valores políticos reconhecidos, são feitos baseados em modelos masculinos: presença de alto grau de violência verbal, valorização da competitividade em detrimento de cooperação, presença de alto grau de renúncia a intimidade e ao cotidiano (ou seja, nessa ótica, não caberia espaço para dedicação à maternidade, vida pessoal e nada além de renúncia total do privado para se tornar apenas figura pública). Esse padrão de exercício da política é veementemente contestado por nós, mulheres, que participam politicamente, já que defendemos que não só devemos conciliar essas esferas, como também é importante coletivizar as necessidades e demandas do espaço privado e publicizá-las.


Uma mulher e mãe, por exemplo, tem o direito de participar da vida pública, tanto quanto qualquer outra pessoa, e, para isso, é preciso que a sociedade entenda que o poder público têm que criar condições para que possamos compartilhar as responsabilidades da maternidade com o estado.


Afinal, se mantivermos o sistema de base patriarcal, continuaremos mantendo muitos padrões sociais que dificultam a participação política das mulheres. Ou seja, enquanto tivermos uma educação sexista que destine à mulher o lugar privado; onde não incentivamos de fato que mulheres se candidatem para cargos políticos (sem serem laranjas); onde não existem até hoje distribuição de tarefas domésticas em igualdade com os homens; onde ainda há total falta de políticas públicas para atender às necessidades das mulheres mães; onde a divisão social do trabalho continua reafirmando a função da mulher como reprodutoras e cuidadoras, estaremos limitando e dificultando a participação das mulheres na esfera política e em todos os âmbitos que envolvam de fato poder de tomada de decisões.


Mas apesar de todas as barreiras e restrições, as mulheres brasileiras estão lutando e ampliando a participação em âmbitos sociais e políticos e não estão deixando que estas as imobilizem. Pelo contrário, as mulheres estão trazendo para a cena política toda essa força diária para “sobreviverem” e “existirem” para despertar na sociedade e no ambiente político a necessidade de criar outras formas de realizarem e materializarem a participação política.


Esses debates trazidos pelas mulheres nem sempre são bem vistos e a resistência é gigante. Acredito que a principal mudança deveria ser na Lei de Cotas Femininas, que precisa ser modificada para garantir 30% dos acentos no Legislativo para as Mulheres, e não apenas garantir vagas para que estas concorram aos cargos. Do contrário, continuaremos com esse sistema que favorece as fraudes, onde mulheres ora são colocadas com “laranjas”, ora servirão de “mula” para eleger representantes homens. O poder continuará masculino, até porque, dada as circunstâncias culturais, ausência de poder econômico, falta de rede de apoio e mecanismos de empoderamento, as mulheres acabam não conseguindo ter a oportunidade de concorrer em pé de igualdade com os homens. Falta isonomia e equidade nesse processo.


Em que pese saber que a ampliação efetiva da ocupação das mulheres nos espaços de poder é uma conquista que demandará muito tempo, acredito que o processo de ampliação dessa participação já está em curso. Percebo ainda que, atualmente, as mulheres mães é que estão sendo protagonistas neste movimento. É o chamado ativismo materno.


A experiência da maternidade, num primeiro momento foi um grande obstáculo enfrentado pelas mulheres que decidiam estar nos espaços de participação política (mesmo dentro da esquerda). Até porque, durante muito tempo, os próprios movimentos emancipacionistas das mulheres enxergavam a “maternidade” apenas como um fator que limitava a autonomia feminina, esquecendo de lutar pela desconstrução dessas barreiras que tornavam a mesma um fator limitador.


Já, atualmente, o que presencio como mãe ativista é que temos que compreender que o que de fato traz essa limitação de autonomia, é a falta de estrutura para que tenhamos uma mudança cultural que entenda que o exercício da maternidade não pode ser apenas um assunto de cunho privado. “Quem pariu Matheus, que balança o Berço” não funciona mais, já que tanto a responsabilidade como as condições de exercício pleno da mesma deve ser coletivizada e compartilhada, inclusive com o poder público. Mas para isso acontecer, precisaremos começar agora, mudando a lógica das políticas públicas. E essa mudança de foco no olhar das políticas públicas e priorizações só acontecerão se tivermos mais mulheres e mães ativistas nos espaços de poder e tomada de decisão.


Para muitas mulheres, especialmente as não brancas e/ou pobres, a maternidade não desperta apenas o cuidado, mas muito fortemente também a desperta a necessidade de lutar para que elas e seus filhos tenham direitos. Lutam por justiça, abrindo assim a possibilidade de que estas mulheres acabem configurando um cenário social com maior engajamento político. São essas as mães ativistas, as que vivem em uma realidade em que é urgente lutar pela sobrevivência de seus filhos e também pela vida delas mesmas. São as mães periféricas, são as mães atípicas, são as mães diversas, que farão também sua luta politicamente, reivindicando direitos, justiça e políticas públicas urgentes.


Outro fenômeno importante é que as próprias mulheres que já ocupavam ou ocupam o poder, têm “desocultado” essas pautas, se reconhecendo também como Mães Ativistas e modificando sua atuação política a partir do momento em que se perceberam também mães, somando forças em torno desse ativismo.

É por isso que vivo dizendo, e repito, que “Ser Mãe é um Ato Político”, parafraseando a famosa frase da Ativista Materna, Andréa Werner do PSOL de São Paulo. Acredito nisso porque a mãe é automaticamente colocada no ativismo a partir das demandas da maternidade. Todas temos que lutar por pequenas conquistas, todos os dias (as mães atípicas mais ainda). As escolhas começam na gestação, que tipo de parto, que valores lhe serão transmitidos e não param nunca mais.


Ser mãe é, portanto, um ato político, porque nós ainda somos as grandes responsáveis por nortear muitas questões e podemos definir o futuro das próximas gerações. Com esse olhar, as mães ativistas brasileiras têm se unido cada vez mais em torno de várias causas comuns, que se relacionam entre si pela ideia de uma maternidade consciente, mas socialmente ativa. Que reinvindica por políticas públicas inclusivas e acolhedoras. Que reduzam barreiras impostas às mulheres, incluindo as mães, ampliando, com isso, a possibilidade de uma maior participação feminina na política e no poder.

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