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Depressão e Pandemia: o que se pode cotejar?

Por Juliana de Souza Ramos

Pós-graduada em Psicologia Clínica pelo Unileste-MG

Pós-graduada em Gestão de Políticas Públicas, com ênfase em gênero e relações étnico-raciais, pela Universidade Federal de Ouro Preto

Formação em Psicanálise pelo Instituto de Psicanálise de Saúde Mental de Minas Gerais


A população brasileira é a mais deprimida da América Latina, segundo a OMS | Banco de Imagens

A depressão se imprime no cenário social como uma desordem mental já bastante conhecida. Não é incomum dizermos ou escutarmos no dia-a-dia: “eu estou depressivo” ou “eu tenho depressão”. Os sintomas, nas devidas proporções de cada um, já são sabidos. Os critérios utilizados pela Psiquiatria Biológica são amplamente divulgados e assim favorecem os autodiagnósticos. Se faz importante destacar que a resposta mais ordinária a depressão tem se dado pela via dos medicamentos. Fluoxetina, Sertralina, Imipramina, Citalopram, Amitriptilina e outros tantos psicofármacos são administrados amplamente.

De acordo com relatório divulgado em 2019 pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a população brasileira é a mais deprimida da América Latina. Essa constatação foi reforçada pelo levantamento realizado pela Sul América, seguradora de saúde, que aponta que em seis anos, houve um salto de 74% no número de antidepressivos obtidos pelos segurados dessa operadora. Os antidepressivos são a segunda classe de medicamentos mais vendida, ficando atrás tão somente dos analgésicos.


Estejamos advertidos de que a solução sedutora pelos medicamentos não é sem efeitos (muitos, aliás, nefastos). Ao dizer isso, não pretendo demonizar o medicamento em si, mas problematizar o lugar em que ele é colocado pela indústria farmacêutica, numa espécie de “a pílula que cura todos os males” e também o uso que alguns sujeitos fazem dele ao tomá-lo como um anestésico para as dores da vida, sem se perguntar sobre como se vive, sobre sua história pessoal, sobre quem se é.


Em minha prática clínica, testemunho sujeitos que tratam seus sofrimentos através dos medicamentos (e alguns casos são realmente necessários) e outros que frente a acontecimentos que provocam tristeza, apatia, desânimo recorrem a eles na tentativa de se livrar de algo que é próprio da vida e da nossa condição como humanos.


Nesta altura do texto, quero compartilhar as contribuições da psicanalista Maria Rita Kehl, autora de um livro intitulado “O tempo e o cão”, que se trata de um rigoroso ensaio teórico sobre o tema da depressão. Ela discute que a tristeza, o desalento e qualquer manifestação de dor se tornaram intoleráveis em uma sociedade orientada pelos ideais de uma vida feliz e bem sucedida. Confirmamos isso por meio do aplicativo Instagram, em que publicam imagens de pessoas viajando, comendo bem, entre muitas outras poses e frases nessa esteira. Ali, a vida como ela é, fica de fora.


Aliás, nesse momento em que nossas vidas estão assoladas pela pandemia, estamos em contato com uma realidade ainda mais dura e difícil. Com isso, diferentes modalidades de sofrimento psíquico têm se intensificado e colocado muitos pesquisadores e profissionais a trabalho. As conclusões mais rigorosas nesse campo ainda estão por vir.


O que me autorizo a assinalar é uma constatação advinda da minha experiência clínica em consultório: os sintomas depressivos, tais como um humor mais rebaixado, tristeza, falta de ânimo (e como não sentir isso agora?) têm sido circulares nas falas dos pacientes, sem que isso configure propriamente um quadro clínico de depressão.


Nesse momento, me parece apropriado para manter a saúde psíquica baixar os ideais, as cobranças; fazer o que dá, redefinindo planos e projetos; buscar soluções singulares (fazer um curso que te atrai, fazer ioga, fazer nada...), se servir e dispensar a tecnologia na sua medida e ir tateando com a ideia de que o mundo de antes (que não era lá grandes coisas), foi perdido. Será preciso que cada um faça suas invenções, aposte no futuro e na vida que ainda pulsa.


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