Por Natane Generoso
Graduada em Jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP)
Autora do livro Futebol feminino e seus entraves
Hoje, quando pensamos em mulheres atletas, alguns nomes importastes em diferentes modalidades vem a nossa mente. Se o assunto é sobre futebol, Marta é o destaque, na ginástica artística lembramos de Daiane dos Santos, no basquete, Hotência é o grande nome. Aqui, citamos apenas algumas atletas brasileiras, mas no mundo do esporte existem outras tantas atletas indiscutivelmente brilhantes que fica difícil pontuar. Mas é difícil pontuar ou não as conhecemos?
O consumo em torno de esportes de alto rendimento considera modalidades praticadas por homens como as que atraem maiores públicos, o que resulta em um retorno financeiro maior. Não é de hoje que os meios de comunicação especializados em esportes utilizam em sua grade de pautas modalidades praticados por homens. Essa equação possui fatores extremamente importantes e que devem ser sempre considerados em sua análise. Cito aqui três que considero determinantes na discussão que proponho neste texto, sendo eles fator econômico, popularidade da modalidade e a estrutura social.
Esportes profissionais e de alto rendimento são consumidos em vários países ao redor do globo, tendo cada região aquele que é mais popular ou mais praticado. Além de uma forma de entretenimento, esses esportes são importantes dentro do campo econômico, podendo gerar empregos diretos ou indiretos, mas uma coisa é certa, quanto mais popular esse esporte for, mais renda ele gera.
Pensar no esporte profissional como uma fonte de renda ao atleta nos levam a dois pontos diferentes. De um lado temos homens que chegam a ganhar milhões em salários por temporada e do outro mulheres que ao praticarem o mesmo esporte ainda ganham valores inferiores. Claro que em alguns casos podemos encontrar algumas mulheres com ganhos maiores dentro de sua modalidade, seja em relação ao salário, bônus por competições vencidas ou patrocínio. No entanto esses casos são poucos em relação aos homens.
Acostumada a fazer levantamentos acerca de negócios e economia ao redor do mundo, a revista Forbes apontou que, em 2021, o jogador do Manchester United e da seleção portuguesa, Cristiano Ronaldo, será o atleta dentro do futebol com as maiores arrecadações, ganhando US $ 125 milhões antes dos impostos na temporada 2021-22, com US $ 70 milhões vindo de salário e bônus por seu retorno ao United. Esses valores jamais foram pagos à uma mulher jogadora de futebol.
A revista aponta ainda como as redes sociais do jogador possui grande visibilidade devido sua popularidade, uma vez que soma mais de meio bilhão de seguidores nas suas contas de Facebook, com 149 milhões, no Instagram, com 344 milhões, e no Twitter, 94,3 milhões. Economicamente essas redes geram grandes lucros de propaganda ao jogador, já que o engajamento e alcance de suas contas chegam a todos os cantos do globo.
Todos os holofotes em torno do jogador despertam o interesse do público em produtos que possuem seu rosto, nas camisas de seu clube e seleção e, principalmente, no consumo de sua modalidade. Assim como Cristiano, outros grandes atletas de modalidades praticadas por homens recebem uma atenção que não é destinadas às mulheres. Como consequência dessa falta de interesse, entende-se que essas modalidades praticadas por mulheres não possuem o mesmo retorno financeiro, interrompendo investimentos tanto no pessoal como no coletivo.
A seleção dos Estados Unidos depois de vencerem a Copa do mundo de Futebol feminino, que ocorreu em 2019, na França, levantaram a discussão sobre as diferenças salariais, discursando sobre as baixas remunerações entre homens e mulheres. Mesmo depois de vencerem uma das competições mais importantes do futebol feminino, o valor que ganhavam por vencer o torneio não era semelhante a equipe masculina que jamais venceu um campeonato mundial.
Não é difícil desenhar o cenário feminino, basta observarmos as informações que chegam até nós e de que forma elas chegam. Na televisão, meio muito utilizado na cobertura de esportes profissionais, o cosumo é de modalidades masculinas, com incessantes campanhas publicitárias destinadas aos homens, como exemplo, as propagandas de carro e de cerveja, que o mercado brasileiro ainda consideram que apenas homens consumam esses produtos.
O que quero deixar claro é que modalidades praticadas por homens são muito populares porque são elas que são vinculadas na televisão, no rádio, nos sites especializados e nas redes sociais. Somos bombardeados com um marketing que impulsiona modalidades masculinas. Quando se trata de competições disputadas por mulheres, ainda somos reféns de competições como as Olimpíadas e na maioria das vezes nos deparamos com propagandas e apelos que sexualizam os corpos femininos como forma de atrair maiores públicos, ou seja, chamar a atenção do público masculino, ainda visto como o consumidor de esportes.
Em 2021 a seleção de Handebol de Praia da Noruega foi multada em mais de R$9 mil por não jogar de biquíni no campeonato Europeu, optando por utilizar um short. Isso nos leva a pensar em como os uniformes de atletas masculinos são maiores e cobrem seus corpos mais do que os de mulheres um exemplo de como uniformes femininos do vôlei de praia e da ginástica artística priorizam sexualizar corpos do que o conforto das atletas. Mais uma vez, o que vale é chamar a atenção de homens e não prestigiar a competição em si.
Preocupa muito que as modalidades praticadas por mulheres sejam apagadas por questões que já deveriam ter sido superadas. Um dia é o uniforme, no outro a falta de patrocínio ou pouco público. Agremiações e clubes que não faturam com modalidades não possuem condições de oferecer aos atletas um espaço para treinamento adequado, condições de segurança na carreira, saúde física e psicologia. Enquanto homens visualizam esportes como uma segurança financeira a longo prazo, mulheres sofrem com a falta de investimento, machismo e casos de assédio moral e de seus corpos. Em muitos casos as remunerações que atletas mulheres recebem não são suficientes para se manterem, o que resulta na desistência da carreira atlética.
Os fatores que citei decorrem de uma estrutura social que, há milênios, buscam silenciar e apagar vivências e saberes femininos. O patriarcado, que se baseia em fatores culturais, estruturais e relações que favorecem os homens - em especial o homem branco, cisgênero e heteressexual - desde muito tempo os colocam no topo, resultando na invisibilidade de mulheres não só no esporte como em diversos campos.
É como se a busca de mulheres por esses espaços sempre encontrasse um muro em seu percurso e cada tijolo desse muro significasse um obstáculo em sua jornada. Aqui, deixando claro que a construção desse muro é composta por vários fatores externos. Se buscarmos a história de mulheres no esporte no século XX por exemplo, deparamos com conceitos sociais que delegavam às mulheres atividades limitadas ao lar, a maternidade e ao casamento. Espaços públicos eram direito dos homens, assim como a prática de esportes eram atividades masculinas, as práticas que eram sugeridas para as mulheres eram aquelas que, se julgava à época, adequada ao seu corpo, este considerado apenas como reprodutor. Assim, a evolução natural de modalidades praticadas por mulheres parou no tempo, enquanto os homens evoluíram de tal forma que, muitos deles, desde muito novos, dedicam a vida para o esporte, uma vez que a expectativa e as possibilidades de alcançarem sucesso são maiores do que mulheres. Já elas enfrentavam uma sociedade machista, leis que as proibiam de praticar determinados esportes e descrença em suas habilidades como atletas.
Os fatores econômicos, a popularidade de modalidades e a estrutura social em que vivemos são alguns dos responsáveis por não termos conhecimentos da história de grandes atletas mulheres no mundo do esporte. Há Marta, Hortência, Daiane dos Santos, Formiga, Naomi Osaka, Serena Williams, Léa Campos, Ronda Rousey, Rebeca Andrade, Sheilla, Maria Lenk, Simone Biles entre tantas outras.
Em meu livro “Futebol Feminino e seus entraves”, publicado em 2020 pela Editora Primeiro Lugar, analiso questões que contribuíram para o apagamento de atletas jogadoras de futebol e os atrasos presentes dentro da modalidade no Brasil. Chego à conclusão de que é preciso mudar esse cenário e incentivar a prática de esporte entre as mulheres, exigir melhores condições de trabalho, melhores remunerações, consumir modalidades praticadas por elas e buscar sobre suas histórias. Hoje, vivenciamos um crescimento no consumo de esportes praticados por mulheres, mas ainda há um longo caminho a percorrer.
A Copa do Mundo de Futebol Feminino, que teve alguns jogos transmitidos na televisão aberta em 2019, é uma prova de que modalidades praticadas por mulheres podem sim obter grande audiência, desde que sejam destinadas a elas espaços nessas mídias, que haja incentivos das práticas de diferentes esportes e que principalmente exista o respeito que todas nós merecemos.
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