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Os desafios de ser mãe, mulher e profissional em meio à pandemia

Por Karine Gonçalves Martins

Graduada em Letras pela Universidade Federal de Ouro Preto

Mestra em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal de Ouro Preto

Mãe do Theo


São inúmeras as mulheres que dividem o seu tempo para a casa, o trabalho e os filhos | Banco de Imagens

Para falarmos sobre os desafios de ser mãe, mulher e profissional na atual conjuntura que estamos vivendo – pandemia, provocada pela Covid-19 –, é indispensável destacarmos o contexto e o cenário em que nós, mulheres, estamos inseridas. Vivemos no Brasil, um país extremamente machista e patriarcal, no qual a naturalização do machismo pode ser vista como a causa e a consequência da desigualdade de gênero, que afeta diferentes (e todas) as esferas da vida da mulher.


Nesse sentido, há toda uma herança histórica, cultural e familiar de uma humanidade que, por muitas gerações, partilhou do acordo de que a mulher cuida da casa e dos filhos, e o homem sustenta a família. Essa configuração, em tese, justificaria o protagonismo das mulheres diante desses papeis, pelos quais são vistas como as principais ou únicas responsáveis.


No entanto, houve um momento da história em que as mulheres começaram, progressivamente, a serem inseridas no mercado de trabalho, o que as permitiu, assim como o homem, a serem também provedoras de renda na família. Esse novo cenário, em tese, deveria promover uma redistribuição – mais igualitária – das responsabilidades do homem e da mulher no âmbito privado, familiar, mas, na prática, vemos que isso não acontece. Assim, podemos entender que essa herança histórica-cultural se perpetua, e que a mulher continua afetada pela desigualdade.


Se pensarmos na situação das mulheres que estão o dia todo em casa e que, teoricamente, têm todo o tempo para se dedicar às tarefas domésticas, aos cuidados e à educação dos filhos conseguimos compreender, de certa forma, o fato de que sejam elas, na maioria das famílias, as responsáveis pela totalidade dessas tarefas. Embora compreensível pelo viés do tempo, essa estrutura não deixa de ser injusta, problemática e questionável, uma vez que, assim como o homem que sai para trabalhar fora, a mulher também emprega a sua energia, física e psicológica, no trabalho doméstico e na educação dos filhos. No entanto, como esse trabalho não é remunerado não é, também, legitimado.


A desigual divisão de tarefas se reproduz quando pensamos nos lares em que tanto o homem quanto a mulher trabalham fora e, dessa forma, se responsabilizam juntos pelos gastos da família, mas a mulher, novamente, continua sendo a responsável pela maior parte das tarefas domésticas e pelos cuidados e pela educação dos filhos. Diferentemente da situação descrita acima, ambos vivem a mesma realidade e dispõem do mesmo tempo em casa. Por que é que as mulheres continuam fazendo mais? Como justificar a sobrecarga feminina nesse caso? É histórica, é cultural e precisamos falar, problematizar e desconstruir essa ideia.


A conquista do mercado de trabalho e o consequente trabalho remunerado ao mesmo tempo em que configuraram-se como meio de liberação das mulheres, como caminhos para a equidade, apresentaram-se também como entraves para muitas de nossas lutas e conquistas, uma vez que acabaram triplicando a nossa jornada.


Vivemos, há muito, uma realidade na qual as mulheres são mães e, portanto, precisam cuidar e educar os filhos; são profissionais e, portanto, precisam produzir, se atualizar, cumprir prazos e exigências; são donas de casa e, portanto, precisam limpar, lavar, passar e cozinhar; são esposas e, portanto, precisam estar sempre receptivas e sorridentes para com os maridos; são mulheres e, portanto, precisam cumprir as exigências da sociedade que as quer em forma, depiladas, com os cabelos brilhando e as unhas feitas. Somos mulheres, seres humanos, e estamos exaustas, sempre estivemos. Mas o fato é que a pandemia que estamos vivendo veio evidenciar ainda mais a exaustão e a sobrecarga de todas nós mulheres, sobretudo das mulheres-mães.


De repente, marido, mulher e filhos isolados convivendo 24 horas no mesmo espaço, sem rede de apoio. O trabalho remunerado precisa ser cumprido, a casa precisa estar minimamente limpa, todas as pessoas da casa precisam ter roupas limpas para vestir e precisam se alimentar bem; as crianças querem brincar e precisam de atenção... Estão ali, homem e mulher, na mesma condição, mas é esta quem se encontra sempre mais cansada, porque a divisão dessas tarefas é desigual. E, mesmo quando essa distribuição é, de certa forma, mais igualitária, como acontece no meu caso específico, é somente na parte física, porque existe também um trabalho invisível que ninguém vê, mas que gerencia tudo. É a chamada carga mental, que se refere às questões cognitivas e emocionais necessárias à execução de todas as atividades e que, mais uma vez, pesa mais ou apenas para as mulheres. Precisamos programar, prever, fazer planos, adiantar falhas, tirar a carne do congelador, colocar as roupas para lavar, lembrar da vacina, da consulta, programar o cardápio, saber se está na hora de fazer mercado, destruir o patriarcado (rs)... é um trabalho contínuo, é uma cabeça que não desliga. Toda essa carga mental, somada ao trabalho físico, nos mantêm nessa condição de cansaço e exaustão constantes.


As saídas para esse problema? Há alguns caminhos possíveis, mas, partindo da minha experiência pessoal, o diálogo entre o casal, a conversa, a exposição do problema, a fala sobre o cansaço ajudam muito na redistribuição das responsabilidades de forma mais justa. Além disso, é preciso que cada família considere a sua dinâmica e estabeleça prioridades, porque é impossível, nem devemos, dar conta de tudo.


Colocar esse assunto em debate e problematizá-lo; questionar os papeis que sempre foram impostos a nós mulheres; chamar os homens para a realidade, convidando-os a pensar na sua figura de morador da casa, que come, que suja e que, portanto, também deve cozinhar e limpar; na sua figura de pai, que deve participar efetivamente dos cuidados e da educação dos filhos, são caminhos importantes para a evolução e mudança dessa herança tão injusta com a mulher. E tomar esses caminhos no âmbito privado, diante dos filhos, constitui-se como uma ferramenta muito importante para essa mudança, pois compõe a mensagem que passamos aos nossos filhos, sobre as (não) diferenças de gênero.


Encerro a minha reflexão ressaltando a nossa capacidade de mudar o mundo a partir da educação das nossas crianças. Hoje, como mãe de um menino de 3 anos, percebo o quanto essa educação precisa estar pautada no feminismo, causa que entrou efetivamente na minha vida com a maternidade e da qual me aproprio e sinto que preciso fazê-lo cada vez mais.

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